domingo, 12 de julho de 2009

FILOSOFIA POLÍTICA E ÉTICA




O debate sobre a ética é um dos campos mais férteis da Filosofia e extrapola os limites do campo filosófico: da política à atuação profissional, temos visto manifestações que exigem uma postura ética. No entanto, ao perguntar sobre o que é ética, supondo que ela não seja única, como veremos adiante, o consenso, felizmente, desaparece.
Outra questão inerente a esta valorização da reflexão sobre a ética encontra-se na motivação ou justificativa para a crescente discussão do assunto citado. Ou seja, por que valorizamos, nos tempos atuais, a questão da ética? Por que este tema ocupa a atenção das sociedades atuais? Uma das hipóteses, apresentada pelo professor da USP/SP José Arthur GIANOTTI, deve-se à redução do espaço político, que predominava na década de 60. Naquela época, salienta o professor Gianotti, “tudo era político”: das questões dos direitos e das repressões, passando pelos movimentos estudantis e das mudanças comportamentais, havia uma análise de um “processo político”. Algumas décadas depois, o discurso político esvaziou-se, crises sucessivas e a perda de referenciais levaram as sociedades à cobrança moral e ética a partir de valores e compromissos considerados válidos.
Considerando pertinente a observação do professor Gianotti, mas não se restringindo a ela, podemos ampliar a questão inserindo um outro dado comum a esta discussão: a idéia de crise dos valores éticos.
Sendo a ética relativa aos costumes e hábitos dos seres humanos, terá existido uma época em que estes valores não estiveram em crise? Haverá momento na História das Civilizações que estes valores não foram afrontados e discutidos como manifestações de crises? Da Filosofia grega ao pensamento mais recente, a reflexão realizada não é expressão destes conflitos? Acaso o Renascimento, glorificado por muitos pela afirmação de valores antropocêntricos, não foi uma situação de crise/enfrentamento com uma ordem que estava se desintegrando e exigindo transformações?
Ao discutir sobre os valores éticos e a crise que se notabiliza em uma sociedade, é conveniente não perder de vista o aspecto da mutabilidade. Muitas conquistas humanas foram obtidas desrespeitando princípios e ordens que eram consideradas como corretas, estáveis. Para exemplificar, basta observar as lutas pela igualdade de direitos entre homens e mulheres: o que era rebeldia e imoralidade para alguns, hoje está consolidado. Portanto, quando se ouve falar sobre a crise de valores, deve-se perguntar sobre qual o sentido deles e o que se quer com estas indagações. Referindo-se ainda à educação, quando se introduziu a noção de universalização do acesso á escola, houve reações que apontavam o desrespeito e a subversão provocada por esta atitude.
Analisando a questão por outro ângulo, é comum a sensação das pessoas de que determinados valores estão sendo esquecidos ou desrespeitados de maneira intencional. Diante disso, elas clamam por um resgate da ética, a volta dos valores e “bons costumes”. Estas considerações corriqueiras não expressam um dado real e instigante à maioria das pessoas? Estas queixas, sobretudo quanto à violência e a corrupção, não tem fundamentos? Elas não representam a manifestação de um problema moral da sociedade contemporânea?
A resposta a estas questões é afirmativa. Quando as pessoas reagem e se perguntam sobre as condições de vida e das intermediações do individuo com a coletividade e percebem uma decomposição das relações sociais, elas se interrogam acerca dos valores aprendidos e supostamente respeitados por elas e pelas gerações anteriores. E esta reação não é a manifestação da tentativa de conter os avanços e transformações humanas, mas antes a denuncia de uma decomposição dos valores centrais da própria sociedade, sem os quais a convivência se inviabiliza e desaparece um possível referencial ético. No entanto, por vezes, a resposta a estas inquirições corresponde à manifestação de uma tônica moralizante e dominada pelo senso comum, que afirma ser tudo uma questão da ética, ou melhor, de sua falta.
Estas duas posturas servem para elucidar a complexidade da discussão sobre a ética e a necessidade de se fazê-la. Antes, porem, devemos recorrer à uma conceituação mínima, a um referencial do que chamamos de ética.
Para Sánchez VÁZQUEZ (1997:5-23), a ética se relaciona com a moral e se distingue dela por seu caráter teórico-geral, enquanto que a moral refere-se às escolhas e ações prático-particulares. Ou seja, nas relações construídas pelos seres humanos, eles enfrentam questões que necessitam de regras para pautar o seu comportamento e conviver com seus semelhantes. Os juízos das ações particulares dos indivíduos absorvidos por costumes e tradições é o que determinamos moral. A análise reflexiva sobre essas ações morais funda a ética, que por sua vez, possui um caráter especulativo a fim de compreender os fins e os meios da ação humana.
Ética e moral relacionam-se de forma intrínseca.

“Ambas as palavras mantém assim uma relação que não tinham propriamente em suas origens etimológicas. Certamente, moral vem do latim mos ou mores, que significa “Costume” ou “Costumes”, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por habito. A moral se refere, assim, ao comportamento adquirido ou modo de ser conquistado pelo homem. Ética vem do grego ethos, que significa analogamente “modo de ser” ou “caráter” enquanto forma de vida também adquirida ou conquistada pelo homem. Assim, portanto, originariamente, ethos e mos, “caráter” e “costume”, assentam-se num modo de comportamento que não corresponde a uma disposição natural, mas que é adquirido ou conquistado por habito.” (VÁZQUES: 1997:14).
Ética e moral possuem um forte componente histórico, não-natural. Ou seja, a ética é a reflexão sobre os valores e afirmação do homem diante do mundo, transformando o mundo dado (imanente) e transcendendo-o, a fim de instaurar-se, compreendendo a realidade que o circunda e que se modifica a partir de sua intervenção, atualizando-se conforme a necessidade e a capacidade humana de adaptar-se ao mundo. Sendo assim, a ética não pressupõe, como muitos pensam, a existência de regras e códigos, mas antes é um exercício filosófico, de questionamento e indagação sobre a conduta humana, sua liberdade e sua responsabilidade.
A partir desta construção de que a ética é uma reflexão sobre os costumes e práticas humanas referentes aos valores morais, pode-se indagar sobre a sua finalidade e os motivos para esta preocupação. Dito de outra forma, sendo uma reflexão, portanto produto da racionalidade humana em seu pleno exercício, a ética pode legitimar e compreender tudo? Ela é um exercício meramente especulativo?
A resposta a esta questão pode ser obtida em ARISTÓTELES. Na primeira frase de sua “Ética a Nicômaco”, ele diz que “toda arte e investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem”. (ARISTÓTELES: 1997:9). O objeto da ética, como expressão da ciência humana, é a felicidade.
Mas como obter esta felicidade?
A questão é complexa e tentar dirimi-la marca a vida de cada individuo. Diversos filósofos pretenderam respondê-la, mas optamos por acompanhar a visão aristotélica, relacionando-a com a política e propor um retorno à temática inicialmente proposta, entre a ética e a política. Segundo Aristóteles, a felicidade deve ser obtida através das virtudes que serão exercidas na polis. Os homens devem ser educados a viver virtuosamente, buscando o equilíbrio necessário para a obtenção do bem comum, manifestando-os na vida política da Grécia Antiga.
O tema da virtude – central na reflexão da Ética – tem muitas outras acepções. Na discussão destes temas deve-se ter uma atenção redobrada. A ética é sempre o resultado de uma reflexão feita pelos indivíduos. Devemos evitar, a qualquer custo, que, em nome da ética, falsear a sua finalidade e instituir novos códigos, que se tornam aceitos ou respeitados mediante o exercício da autoridade e não pela escolha autônoma dos indivíduos.
Outro risco é o da redução da ética e da manipulação a partir de regras e princípios estabelecidos previamente. Isto ocorrerá, se, na incapacidade de propor a reflexão, os códigos morais se sobressaírem, em detrimento da reflexão. Por exemplo, diante de uma situação pouco comum, não se deve fazer um discurso moralizante e impedir as múltiplas manifestações, a partir de suas preferências econômicas, religiosas ou políticas, sendo incapaz de conceder ao outro a liberdade, que é a condição essencial para o estabelecimento de um sujeito ético. Isto não significa, entretanto que qualquer manifestação é válida e não deva haver interferências neste processo, mas ela deve se restringir aos limites básicos para a manutenção do respeito e da cordialidade durante qualquer debate ou troca de idéias sobre ética.
Outro ponto que se deve assinalar é que a ética não é um exercício de auto-ajuda. A ética não é um exercício espiritualizante, de soluções particulares. A questão da felicidade, objeto da ética, dá-se relacionada a diversos elementos como a intrínseca relação e discussão com a política, com noções como liberdade, alteridade, com valores e outros temas.

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